Balões.

Devagarinho, vou acreditando tanto no mundo que eu invento pra mim, que mesmo quando as pessoas me puxam os cadarços pra realidade, eles esticam e eu continuo flutuando na minha insensata felicidade imaginária. E se eu a sinto, se eu até consigo tocá-la, quem vai dizer que não é real?

Há 15 anos atrás.

As coisas mudam muito em 15 anos?

Depois da aula, ela assistia desenho comigo, cochilávamos depois do almoço e enrolávamos pra lavar louça. Sonhávamos e ríamos do mesmo garoto (idiota). Ele roubou nossos beijos (e manteve meu coração preso por um tempo), mas hoje ele continua quase o mesmo, aparentemente. Então eu lembro de outro garoto. Aquele que gostava de mim. Apesar de me provocar e incomodar muito, com minha mínima experiência de vida de hoje, afirmo que ele gostava de mim, de verdade. Ele era inteligente, divertido, a família dele me adorava (e era recíproco). Nos beijamos escondido, porque eu não queria que ninguém soubesse. A vida mostrou como eu fui cruel e como o mundo rodopia. Hoje ele continua inteligente, divertido, a família dele continua maravilhosa e ele ficou mais bonito do que já era. Dói um pouquinho, saber que, mesmo sem saber, sempre fiz escolhas erradas. Eu gostava dele, confesso. Mas minha obsessão pelo primeiro garoto, talvez por aceitação, ou por ele ser diferente, me fez cegar diante de alguém que poderia ter vivido comigo muitos bons momentos. Tinha também outro menino, que desenhava tudo que eu pedia. Nós não éramos muito confidentes, porque minha visão de mundo era bem comum. Mas nos divertíamos muito e ele sempre estava por perto. Outra garota, dividiu comigo muitos momentos, mas depois, naturalmente precisou escolher um lado, escolheu o lado de lá, por pura competição. Ah, dois garotos que hoje caminham juntos, antes eram opostos, um era tímido, gostava de lanchar comigo. E tínhamos bons momentos. Mas com mais gente por perto, eu o abandonava. E, como o kharma é forte, hoje ele está bem melhor que eu também. O outro, me via como um ícone, talvez de quem ele queria ser. Eu gostava da espontaneidade dele. Hoje ele não me parece tão diferente, mas parece feliz. Aqueles foram tempos difíceis pra ele pra todos nós). Eu mudei de galera algumas vezes, sempre meio perdida (hoje, as coisas não mudaram muito). Perdi um pouco da meiguice, e fiquei mais, aparentemente, segura. Às vezes, me imagino voltando no tempo, dando aquele beijo escondido, inexperiente, mas dessa vez, com carinho. Segurando a mão daquele menino cabeludo que, do jeito meio atrapalhado dele, sempre esteve ao meu lado. Ah, perdi tanto tempo olhando pro cara errado, que hoje, ao menos compreendo, que sempre sofri de amor, porque nunca consegui enxergar o amor onde ele realmente estava. E sobre as amizades, ainda é assim. Bons momentos, separações... acho que não consigo manter ninguém ao meu lado, sendo fiel e companheiro, na intensidade que exijo, discretamente. Parece frustração. Talvez seja só reconhecimento e compreensão de uma fase, de forma tardia, porém relevante.

Tarotizando.

Nem sempre o apoio vem de onde a gente quer. Nem sempre o amparo vem de onde a gente espera. Mas ele vem. E não devemos ser injustos a ponto de rejeitá-lo, porque nossos moldes precipitados não o comportam.

O universo age de maneira estranha aos nossos olhos. E é preciso encarar seu fluxo com amor e gratidão. Assim, poderemos desfrutar das incontáveis dádivas cotidianas, que, longe de serem banais, estão em cada piscar de olhos. É Deus agindo, o universo fluindo, a vida, enfim, acontecendo.

O pedaço de carne estragada, as hienas e os vegetais.

Eu sinto como se tivesse guardando um pedaço de carne comigo. E mesmo sentindo fome, eu o guardava. Não o deixava de lado, sentia até orgulho de tê-lo sob meus cuidados. Era bastante osso, ninguém nem sentia vontade daquele pedaço de carne, a não ser o próprio boi de onde ele foi tirado. Mas um dia qualquer, a carne começou a feder. Percebi que todo aquele tempo, desde que eu havia a encontrado, ela já não era própria para o consumo, já havia estragado. E não adiantou eu gelar, maquiar, bater, cozinhar, fritar ou salgar. A carne não estava estragada, ela era estragada. Apesar da imensa dificuldade do ato, joguei a carne fora. E antes mesmo que eu pudesse levar o lixo pra fora, hienas carniceiras atacaram aquele pobre pedaço de carne velha e estragada. E então eu percebi, que por tanto tempo andei presa a algo podre, por puro medo de não ter algo melhor pra comer. Ainda não tenho fome, mas já aprendi que é bem melhor cultivar vegetais. São vivos, saudáveis e por vezes dão frutos. E, aprendi também, que sempre há um destino apropriado, pra o que quer que seja. No caso do pedaço de carne velha, as hienas carniceiras, que o consomem em breves instantes de intenso prazer. A carne por ser, finalmente, consumida. E as hienas... bom, as hienas, menos que o pedaço de carne, tem consciência de algo, além de satisfazer suas próprias necessidades instintivas e vorazes. Pensei que pudesse ter me parecido com as hienas, mas nenhuma hiena teria carregado esse pedaço de carne velha por tanto tempo. Estou bem agora, acompanhando coisas vivas, sem prendê-las, sem precisá-las, sem mesmo querê-las. Estou bem agora.

O tal do amor.

Lutamos por amor
Era desespero.
Plantamos nossas raízes
A terra virou cimento.
Afogamos as mágoas
E elas nos sufocaram de medo.
Nos agarramos no escuro
Não dava mais tempo.
Nosso filme foi revelado
E em todas as poses 
Quem estava ao meu lado
Era o grito, que eu havia calado.
Era mais um sonho
Que o vento levou.

Que agora a gente possa
Ser bem mais a gente
Que livres ou presos
Sejamos conscientes
E saibamos que na vida
O amor vem de repente
Mas só transforma,
Não tortura, nem mente.
E mesmo que mude,
E leve a bagagem
Ainda assim nos visita
Entre uma viagem
E outra
Bobagem (qualquer).



De repente, mesmo sem dente, eu sei rimar.

Me falta um dente
Me falta um dente da frente
Mas sobram dois dentes de trás
O dente da frente falta
Não está estragado
Pois não está.

Os dentes de trás sobram,
mas estão lá,
incomodantes e quebrados.

Seria bom se a boca
fosse como a vida.
E eu ia preferir ficar
com os dois dentes de trás
chatos, mas persistentes.
Defeituosos, mas presentes
do que choramingar
o dente da frente.
Que só faz falta
porque é ausente,
se estivesse aqui,
sem ser perfeito,
seria do mesmo tipo
que os de defeito
daqueles que eu quero me livrar.

A moral é sempre a mesma
a gente nunca valoriza
quem aqui está.

E sempre falta um pedaço
um sorriso ou um dente
na vida e na boca da gente,
que só sabe reclamar.

A vida vem em ondas.

Já fui tempestade
agora quero ser ondinha mansa
que faz as crianças darem risada
que molha os pés da senhora
de maré baixa
de castelos tortos e derretidos.
Prefiro ser ondinha mansa
do que ser rocha de beira de estrada
e ver todos indo e vindo do litoral
e só sentir o gosto do mar
quando ao invés de rocha
vira temporal
tempestade...
Prefiro ser ondinha mansa
ser leve
levar o barco e trazer esperança.
Prefiro ser ondinha mansa...
já fui tempestade
já fui criança
agora prefiro ser ondinha mansa.

Não adianta.

Não adianta chorar.
Chorar não inunda os problemas e os leva pra longe.
Não adianta gritar.
Gritar não assusta os corações sombrios e os fazem mudar.
Não adianta mentir.
Mentir não ameniza a verdade, mas piora qualquer situação.
Não adianta brigar.
Brigar não vai transformar o ódio em sossêgo.
Não adianta fugir.
Fugir não vai distanciar os problemas, mas aproximar outros que estavam longe.
Não adianta xingar.
Xingar não vai mudar qualquer defeito.
Não adianta reclamar.
Reclamar não vai melhorar o que está ruim.
Não adianta sofrer.
Sofrer não vai te tirar da inércia da amargura.
Não adianta morrer.
Morrer não vai parar as consequências da vida que continua.
Nada disso adianta... Só atrasa a vida.