Eu sinto como se tivesse guardando um pedaço de carne comigo. E mesmo sentindo fome, eu o guardava. Não o deixava de lado, sentia até orgulho de tê-lo sob meus cuidados. Era bastante osso, ninguém nem sentia vontade daquele pedaço de carne, a não ser o próprio boi de onde ele foi tirado. Mas um dia qualquer, a carne começou a feder. Percebi que todo aquele tempo, desde que eu havia a encontrado, ela já não era própria para o consumo, já havia estragado. E não adiantou eu gelar, maquiar, bater, cozinhar, fritar ou salgar. A carne não estava estragada, ela era estragada. Apesar da imensa dificuldade do ato, joguei a carne fora. E antes mesmo que eu pudesse levar o lixo pra fora, hienas carniceiras atacaram aquele pobre pedaço de carne velha e estragada. E então eu percebi, que por tanto tempo andei presa a algo podre, por puro medo de não ter algo melhor pra comer. Ainda não tenho fome, mas já aprendi que é bem melhor cultivar vegetais. São vivos, saudáveis e por vezes dão frutos. E, aprendi também, que sempre há um destino apropriado, pra o que quer que seja. No caso do pedaço de carne velha, as hienas carniceiras, que o consomem em breves instantes de intenso prazer. A carne por ser, finalmente, consumida. E as hienas... bom, as hienas, menos que o pedaço de carne, tem consciência de algo, além de satisfazer suas próprias necessidades instintivas e vorazes. Pensei que pudesse ter me parecido com as hienas, mas nenhuma hiena teria carregado esse pedaço de carne velha por tanto tempo. Estou bem agora, acompanhando coisas vivas, sem prendê-las, sem precisá-las, sem mesmo querê-las. Estou bem agora.